Mar negro

Dias atrás era tudo tão diferente. Eu e você costumávamos ser tão próximos que por vezes confundiram nossa amizade com um relacionamento. Na época eu achava isso ridículo. Dizia que nunca me apaixonaria por uma amiga. Entretanto percebo que estava muito equivocado.

Agora estou sentado nessa cadeira dura e incômoda observando de relance enquanto você acompanha a letra das canções junto com os outros da sala. Luto para não encara-la, mas falho miseravelmente. Não consigo parar de olhar seus lábios movendo-se sem emitir sons, seus olhos mergulhados no nada e nos seus cabelos soltos. Será que já te disseram que fica muito mais linda com o cabelo solto? Cachos que parecem ondas no mar da meia noite. Ondas que me levam para lugares distantes onde só vejo você.

“Que porra é essa que tá acontecendo?”, pergunto a mim mesmo, muito embora já saiba a resposta. Você nota, então, que estou te observando e uma faísca de vergonha passa por seus olhos. Tenta evitar meu olhar, mas é impossível. De repente lembro-me de um sonho que tive apenas uns dias antes, onde voltávamos para as aulas e eu, alegremente, abraçava meus amigos dizendo que os amava e que sentia saudades.

- Sabe que eu te amo, né? – disse como havia dito aos outros, envolvendo-a em um abraço.

- Isso é um pedido? – pergunta olhando nos meus olhos, com certo ar de desafio.

- Depende somente da sua resposta.

E dito isso você me abraça e eu sei que posso beija-la, que permitiria isso. E o faço. Um beijo longo, direto. Com certa ternura.

Volto ao mundo real onde os outros alunos já estão pegando as mochilas e indo em direção à porta para seguir cada um para sua casa. Faço o mesmo instintivamente e a observo enquanto anda a minha frente. Prometi a mim mesmo, naquele dia, que arranjaria coragem para ir falar com você. Não importava como, mas iria.

E foi o que fiz exatamente uma semana depois. Na sexta-feira seguinte, peço para conversarmos.

- Irei direto ao ponto. – digo eu – Nossa amizade já não tem salvação. Eu costumava ter esperança, mas vejo agora que é em vão... Nunca mais será a mesma ou nem próximo do que um dia foi.

“E pensar que eu fui aquele que causou isso me deixa ainda mais triste e com raiva. Eu não queria isso quando lhe disse sobre meus sentimentos, mas no fundo sabia que iria acontecer algo assim. Infelizmente quando lhe disse o que sentia a escolha foi feita e eu escolhi errado. Sacrifiquei algo de extrema importância para mim por uma esperança de 0,00001%, algo que vejo agora como idiotice.

“Uma parte minha vai sempre querer aquela amizade, mas o que resta sabe que qualquer resquício de amizade não passará de coleguismo.

“A pior parte, provavelmente, é que nos meus sonhos sinto seu beijo e seu abraço. São somente sonhos, mas acordo sorrindo quando iluminam minha noite. Nunca pensei que a maior tortura feita a mim mesmo seria imaginar você ao meu lado.

“As coisas mudaram desde o dia em que lhe confidenciei o que sentia. Agora tenho uma outra vida que depende de mim, uma responsabilidade a carregar por toda a vida. Tenho algo a perder, algo extremamente precioso. Algo que ninguém estende.

“Enfim, quero somente resumir tudo o que sinto em: Eu não gosto de mudanças, pois sou covarde demais pra querer alterar a rotina, mas você seria extremamente bem-vinda no caos do meu coração para mudar o que fosse preciso.”

Quando terminei, seus olhos não mostravam nada. Nenhuma emoção visível. Eram somente olhos vazios e opacos. O medo bateu à porta.

- Não espero resposta. Na verdade, não esperava nem chegar aqui. – eu disse tentando amenizar a situação.

Então, de repente, você se inclina vagarosamente, com extrema calma. Seus lábios estão prestes a tocar os meus e...

Acordo com um salto com o toque repentino do despertador. “Malditos sonhos. Só servem para me torturar mais e mais. Somente mostram aquilo que nunca terei, por mais que cobice.”, pensei amaldiçoando esse desejo. Levanto e me arrumo para ir pra aula. Pego o ônibus e subo os degraus pensando em você. Desço os degraus com os mesmos pensamentos. Não posso acreditar no que está acontecendo comigo. Não posso acreditar que realmente me apaixonei por minha melhor amiga.